Experiências e histórias - Entrevista com o escritor Gilberto Abrão

    Gilberto Feres Abrão nasceu no ano de 1943 na cidade de Curitiba. Amante da escrita e do futebol, é torcedor fanático do Coxa (Esporte Clube Coritiba).
    Com dez anos de idade seu pai mandou-lhe para o Líbano, onde morou por quatro anos, afim de estudar a cultura árabe e a religião muçulmana.
    Após a volta ao Brasil, concluiu os estudos e em 1963 serviu ao Exército. Devido à fluência em inglês e árabe, foi voluntário na Faixa de Gaza como integrante do batalhão brasileiro da ONU que controlava a fronteira entre Israel e o Egito.
   Regressou ao país em 1966 e fundou a primeira escola de inglês na cidade de Novo Hamburgo (RS), inclusive ainda leciona o idioma.
   Escreveu dois livros; “Mohamed, o Latoeiro” e “O muçulmano e a judia” publicados respectivamente em 2009 e 2011.


Palavras&Cia.Ltda -   Como e quando descobriu sua paixão pela escrita?

Gilberto - Desde pequeno eu sentia uma enorme atração pelas palavras; tanto que aos treze anos, quando estava no Líbano, escrevi o meu primeiro poema – em árabe. Nele, eu descrevia a beleza de uma prima minha que foi a minha paixão de infância. Meu professor de árabe flagrou-me e ao invés de me punir, resolveu me estimular e me deu vários livros de poetas e escritores árabes. Daí em diante me apaixonei pelo ato de escrever; mas levei 30 anos para publicar o primeiro livro, o “Mohamed, o latoeiro”.

Palavras&Cia.Ltda -  Quais são suas inspirações literárias?

Gilberto - Minhas inspirações são sempre os imigrantes árabes no Brasil. Convivi e convivo com eles desde a minha primeira infância. Eles são uma fonte inesgotável de histórias pitorescas, ímpares e altamente reveladoras da cultura árabe e de como o imigrante árabe pensa e age na sociedade cristã ocidental.
Cada escritor trabalha com a matéria prima que lhe é disponível. Érico Veríssimo, por exemplo, usa a massa do gauchismo no seu “O tempo e o vento”, Jorge Amado trabalhava com o ser baiano nos seus vários romances, Guimarães Rosa usa o personagem mineiro e do Brasil Central nos seus maneirismos e linguajar, Gabriel Garcia Marquéz transmite ao leitor a idiossincrasia e modo de ser do homem mestiço de índio e branco das pequenas cidades colombianas, Tolstoi descreve com perfeição a sua sociedade russa do século 19, pré-revolucionária. E eu trabalho com a massa que tenho à mão: o imigrante árabe.



Palavras&Cia.Ltda - O que é mais difícil na vida de escritor?

Gilberto - É ter a satisfação de viver exclusivamente da literatura. Aqui no Brasil é quase impossível. A não ser uma meia dúzia de gatos pingados, a maioria dos escritores tem outras profissões. Ou são professores, advogados, médicos, padeiros, farmacêuticos, etc. Para você viver da literatura é necessário que você tenha um púlpito que possa lhe servir de vitrine. Exemplos domésticos: Marta Medeiros e Fabrício Carpinejar, que têm a Zero Hora e o grupo RBS a lhes dar apoio. 

    Palavras&Cia.Ltda - Foste colunista na época da ditadura no jornal Zero Hora, inclusive chegaste a ser censurado, como sentiu-se em relação a este período?

Gilberto - No início, fiquei um pouco com medo. Depois senti uma pitadinha de orgulho. No lugar da minha coluna havia um montão de anúncios. Fui perguntar ao nosso supervisor daqui, o Demétrio Lima, e ele respondeu que eu tinha sido censurado por causa do conteúdo da crônica. Na verdade, não tinha nada demais. É que o diretor do jornal resolveu ser mais duro do que a ditadura.


Palavras&Cia.Ltda - Alguma tradução de algum dos seus livros para publicação em outros países?

Gilberto - Sim, já estou com as traduções dos dois primeiros livros em mãos de agentes literários no exterior. O primeiro deve sair ainda em 2014.


Palavras&Cia.Ltda - Sobre sua estada no Líbano aos 10 anos de idade, como eram vistas situações sob a ótica da infância?
Gilberto - “Ah, me diverti de montão!” Talvez tenha sido a melhor parte da minha infância. No início estranhei bastante, mas logo em seguida já saía com as para brincar na rua e na escola. Foi um banho linguístico-cultural.


Palavras&Cia.Ltda - Que sentimento levou-lhe ao alistamento nas Forças de Emergência das Nações Unidas? A respeito dos 14 meses que você esteve na Faixa de Gaza, como foi a experiência? Que dificuldades tinham?

Gilberto - Nos meus verdes vinte anos o único sentimento que eu tinha era o espírito de aventura. Não tinha nenhum objetivo mais nobre, a não ser a aventura por si só. Mas lá fiquei frente a frente com a tragédia do povo palestino. Foi lá que realmente me despertou a vontade de ser um ativista em prol da causa palestina e baseado em algumas histórias que conheci lá, me inspirei para escrever o meu segundo romance, “O muçulmano e a judia”. Quanto às dificuldades, eu, particularmente, não tinha nenhuma. Falava o árabe, o inglês e me sentia em casa. Já os meus colegas de armas...


Palavras&Cia.Ltda -  Que lições aprendeu com sua vivência internacional?

Gilberto - A maior lição é simplesmente respeitar a cultura dos outros. Você aprende que há outros modos de pensar, de encarar a vida, outra visão do que é visto e do que é desconhecido.


Palavras&Cia.Ltda -  Qual o legado que pretende deixar aos leitores através de suas obras?

Gilberto - Em princípio, é meramente contar histórias do povo do qual eu descendo. É evidente que nessas histórias há um profundo conteúdo cultural e comportamental, com os quais tenho a pretensão de desmistificar o árabe muçulmano como um ser rude, inculto e “terrorista”.


Palavras&Cia.Ltda -  Alguma publicação nova em mente?

Gilberto - Sim, daqui a um mês, ou no máximo dois, sai às livrarias o meu 3º livro, “O escriba de Granada”. Livro pelo qual, segundo alguns amigos, deverei ser apedrejado pelos muçulmanos e atirado na fogueira da inquisição pelos cristãos.

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